quinta-feira, 26 de agosto de 2010

Artigo Dom Pedro José Conti

Esta noite Deus sorriu

Dom Pedro José Conti
Bispo de Macapá


Um homem pediu hospitalidade ao Profeta. Este, porém, não tinha algum alimento para lhe oferecer.
– Quem quer partilhar o seu jantar com este homem? – Gritou o Profeta. – Quem quer dar-lhe hospitalidade?
- Eu – respondeu um homem da tribo de Ansâr. Levou o homem para casa e disse à mulher:

- Trata com generosidade o hospede do Profeta.

- Mas não temos outra comida senão a sopa dos nossos filhos – respondeu ela.

– Então, prepara a sopa. Depois acende a lanterna e bota as crianças para dormir quando elas quiserem comer. A mulher assim o fez. Preparou a comida, acendeu a lanterna e colocou os filhos para dormir. Depois levantou e mexendo como se estivesse regulando a lâmpada, apagou-a.

– Não temos mais óleo – desculpou-se com o hospede – teremos que jantar na escuridão.

Enquanto o hospede jantava, o Ansâr e a mulher fingiram que também estavam comendo. Na manhã seguinte, quando o Ansâr foi visitar o Profeta, ele lhe disse: “Esta noite Deus sorriu”.
Esta é uma simples história da tradição islâmica. Acolher à mesa e tratar bem o hospede fazia parte dos costumes daquela região, como de tantas outras partes pelo mundo afora. Praticar bem a hospitalidade era considerado uma verdadeira virtude. Há casos na Bíblia em que o peregrino foi o próprio Deus, disfarçado, visitando os seus amigos. O hóspede, portanto, tinha algo de misterioso e podia trazer notícias, ou mesmo anúncios inesperados. Sempre devia ser acolhido, mesmo se desse algum prejuízo, ou algum trabalho dobrado. Podemos entender que, além da motivação de fé, havia também uma razão prática para que os viajantes fossem bem acolhidos. Devido à precariedade da vida, das estradas e dos transportes, o peregrino, em geral pobre, que nã o carregava dinheiro e nem mercadorias e não tinha como se defender dos assaltantes, dependia totalmente da hospitalidade dos outros. Na maioria das vezes, dependia mesmo da partilha do quase nada que as pessoas tinham como o punhado de farinha e as gotas de azeite da viúva, que acolheu o profeta Elias. Na tradição bíblica quem acolhia bem o hospede sempre recebia alguma recompensa ou uma boa notícia. Um encontro feito na paz e na partilha sempre trazia reconciliação, esperança, alegria e, às vezes, o nascimento de uma criança. Uma nova vida.
Lembrei tudo isso para entender melhor, acredito, o evangelho deste domingo: a contradição sobre a qual Jesus chama a nossa atenção. De um lado, a exortação a convidar os pobres para um almoço ou um jantar, justamente para nos ensinar a generosidade e a partilha, sem pretender recompensa. Do outro, a crítica aos convidados a uma festa de casamento, porque escolhiam os primeiros lugares. De fato, o questionamento de Jesus diz a respeito as nossas amizades, ou às pessoas que costumamos freqüentar, como também às motivações que nos levam a escolher essas amizades e não outras.

Simples. Em geral gostamos de ser amigos de gente influente. Ter acesso aos poderosos, poder tratá-los com certa familiaridade, faz-nos sentir grandes também. Sem contar os favores que podemos receber, ou oferecer, sabendo que nada ficará perdido. Cada favor oferecido é um débito pago, ou um crédito contabilizado para nós. Um dia pediremos a devolução do favor emprestado. Talvez esse seja o ambiente onde, ainda, a moeda que circula é a troca, não de mercadorias, mas evidentemente de favores e privilégios. Daí vem também o orgulho, ou a ilusão, de sermos importantes, porque somos amigos dos grandes, com direito a sentarmos nos primeiros lugares, perto deles, como merecem os íntimos dos poderosos. É perigoso, ensina Jesus. Pode acontecer de sermos colocados para escanteio, quando aparecer alguém maior do que nós. Teria sido melhor sermos mais humildes e ficarmos no fundo da sala. Se merecermos, seremos chamados mais à frente, e isso se tornará uma honra para nós. Em todo caso, se formos humildes e não buscarmos as honrarias humanas temos sempre a certeza que receberemos, um dia, aquela recompensa que somente a generosidade do Pai pode nos proporcionar. Porque, afinal, foi a Jesus que abrimos a nossa casa e lhe demos comida, água e roupa. Foi a ele que visitamos e consolamos, nos pobres e nos sofredores.

É difícil nos convencermos disso. Em geral, pensamos que não compense sermos amigos dos pobres. Pare estes, os favores têm apenas uma direção; só aparecem para pedir, nunca para dar. Finalmente quem quer sempre ter alguma vantagem dificilmente escolherá ter amigos pobres. No entanto, sermos humildes e amigos dos pequenos é o jeito certo para entender a bondade de Deus e fazê-lo sorrir. Sempre que isso nos interesse.

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