Liberdade
Dom
Pedro José Conti
Bispo de
Macapá
É
para a liberdade que Cristo nos libertou” (Gl 5,1), Este é o lema da Campanha
da Fraternidade que está chegando ao fim junto com a Quaresma. O tema da
Campanha denuncia a trágica vergonha que é o tráfico de seres humanos, nos
diversos aspectos do trabalho escravo, exploração sexual e tráfico para a extração
de órgãos. Este “tráfico” movimenta grandes quantias de dinheiro, tem
O
Estado do Amapá, que é um Estado de fronteira e têm portos e rios navegáveis,
está entre as rotas do tráfico humano e das drogas. Já ouvi pessoas dizerem que
moram perto de uma “boca de fumo”. Algumas das obras assistenciais atuantes em
nossa Diocese, sob a responsabilidade de religiosos e religiosas, abrigam
menores “em situação de risco” entregues a elas pela Justiça. Muitas outras
crianças e adolescentes precisariam ser resgatadas de ambientes impróprios.
O
tema desta Campanha, portanto, envolve-nos de perto. Pede-nos atenção naquilo
que acontece de baixo dos nossos olhos, coragem na denúncia, solidariedade com
as vítimas e prudência para não sermos envolvidos em algo que reconhecemos
indigno de seres humanos. Talvez, para isso, ajude-nos a entender de qual
“liberdade” Paulo falava na carta aos Gálatas e de qual “escravidão” todos,
afinal, precisamos ser libertos.
Paulo
anunciava a liberdade que trazia a fé em Jesus Cristo e denunciava a
dependência da Lei antiga como amarra de uma escravidão. Segundo ele, os
Gálatas, após terem abraçado a fé, tinham sido “enfeitiçados” por alguma falsa
doutrina e tinham voltado sob o jugo da Lei. Ele não defendia somente o seu
trabalho de evangelizador que estava sendo prejudicado; lamentava a facilidade
com a qual os Gálatas tinham voltado atrás, deixando um caminho tão bem
iniciado. Basta lembrar as polêmicas de Jesus, sobretudo com os fariseus, para
entender a gravidade da questão. Segundo os legalistas, a rigorosa obediência à
Lei tornava o homem “justo”, merecedor do prêmio divino. Seria como dizer que a
salvação era o resultado das obras da Lei e não um dom gratuito e generoso de
Deus.
A
lei do amor que Jesus nos deixou é muito mais do que o cumprimento de normas e
nunca é um direito. O amor só pode ser dado e recebido também por amor, sem
segundos interesses. De outra forma, seria “negócio”; um dar para receber e não
um dar pela alegria de fazer da própria vida um dom. A nossa maior hipocrisia
sempre será cumprir as normas religiosas – e sentir a nossa consciência em paz
– mas, depois, deixar de praticar o bem e a justiça respeitando e promovendo a
vida e a dignidade as pessoas.
Dito
isso, é fácil entender que os nossos irmãos e irmãs vítimas do trabalho
escravo, de exploração sexual ou do tráfico de órgãos, não são os únicos
“escravos”. A sociedade, a nossa maneira de pensar e de organizar a vida, todos
nós, enfim, somos vítimas – e com isso “escravos” - da ideologia do ganho
fácil, do lucro e do consumo. Quem explora o trabalho dos outros, colocando os
empregados em situação de eternos devedores, visa somente o seu lucro,
aproveitando da necessidade alheia. Quem explora sexualmente adultos e menores
o faz pensando em ganhar vendendo o corpo dos outros. Muitas vezes, também,
quem foi vítima do tráfico entrou nesta situação pensando que ia melhorar de
vida, ganhar e ter sucesso. Mais triste, ainda, é a ganância daqueles que
sequestram e matam pessoas, jovens e crianças, para tirar os órgãos deles e
vendê-los para quem os encomendou. É o próprio interesse acima de tudo.
Não
tenho medo de afirmar que se não mudarmos a maneira de pensar, se não trocarmos
a fome do dinheiro pela busca de mais justiça e fraternidade, continuaremos a
ter exploradores e explorados, ganhadores e vítimas numa luta sem fim.
Continuaremos a lamentar tantas situações de violência e exploração. A vergonha
do tráfico humano deve ser desmascarada e arrancada, com todas as suas raízes,
também do nosso coração.
Com
esta Campanha, entendemos que alguns dos nossos irmãos e irmãs explorados
entraram nesta situação por necessidade ou pela esperança de melhorar as
próprias condições. Outros, porém, se deixaram levar pela ilusão do ganho
fácil, pensando ter encontrado a sorte grande na vida. No entanto quantas
outras pessoas, por dinheiro, dão amparo e compactuam com este tráfico
vergonhoso? Quantos fingem não saber que a cota que recebem é fruto de vidas
perdidas, de infâncias roubadas, de juventudes apagadas? Somos chamados a lutar
pela libertação dos nossos irmãos e irmãs escravizados, mas antes nós, também,
precisamos ser libertos de todos os males que nos levam à indiferença, à
insensibilidade, ao medo que fecha a boca e os corações.